Daria Shatskova, do QIR, fala sobre desenvolvimento nos países mais pobres do mundo com Daniel Gay, consultor inter-regional sobre os Países Menos Avançados (PMA) do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA)
O que é o estatuto de PMA e o que significa “abandonar o estatuto de PMA”?
O estatuto de país menos desenvolvido abrange os 47 países mais vulneráveis a nível estrutural e economicamente desfavorecidos. O estatuto compreende três critérios: vulnerabilidade económica, ativos humanos e rendimento per capita. Cada critério é compilado recorrendo a um conjunto de estatísticas complementares.
Para que um país “abandone o estatuto de PMA” deve, em duas análises trienais consecutivas do Comité de Política de Desenvolvimento (CPD) das Nações Unidas, cumprir dois destes três critérios ou, em alternativa, o rendimento per capita deve ser pelo menos o dobro do limiar, atualmente situado em 1230 dólares, de acordo com o Método Atlas do Banco Mundial. O abandono do estatuto constitui um sinal de progresso. A ideia é que os países se desenvolvam estruturalmente, ou seja, que passem de atividades económicas de baixa produtividade para outras de alta produtividade. O abandono do estatuto constitui um processo de desenvolvimento humano e de aumento do rendimento e é fundamental para o desenvolvimento económico.
O abandono do estatuto pode ser visto como um marco decisivo. Por exemplo, este ano o Bangladeche teve uma comemoração a nível nacional organizada pelo primeiro-ministro, quando o Bangladeche cumpriu os três critérios exigidos pela primeira vez: trata-se de um progresso real a nível social e económico. Criámos um site – www.gradjet.org – que visa ajudar os PMA empenhados em abandonar o estatuto a compreenderem onde se situam face aos critérios exigidos e fornecer informações, análises e atividades de apoio ao processo.
Quais são os desafios mais prementes no caminho para o abandono do estatuto?
O principal desafio consiste em reforçar as capacidades produtivas para uma transformação económica bem-sucedida. Muitos PMA não estão aptos a produzir bens e serviços em quantidade e qualidade suficientes para exportação ou para servir o mercado nacional. Este aspeto, em certa medida, abranda o ritmo do crescimento económico e do desenvolvimento. Alguns destes países estão presos a economias de baixa produção não diversificadas que dependem fortemente das importações.
Durante muitos anos, os países beneficiaram de um acesso livre de direitos e de quotas ao abrigo dos regimes preferenciais estabelecidos pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas este facto em si, apesar de útil, não se tem mostrado suficiente para desencadear a transformação estrutural necessária para converter atividades de baixa produtividade em atividades de alta produtividade. Cada vez se dá mais importância à abordagem direta da questão da capacidade produtiva e do reforço da produção de bens e serviços de forma sustentável.
Outros desafios incluem a vulnerabilidade ambiental, a desigualdade, a marginalização das cadeias de valor globais e, como é evidente, o lado humano: a saúde e a educação.
Pode destacar alguns exemplos específicos de sucesso de PMA em vias de abandonar o estatuto e de países recentes que o conseguiram?
A maioria dos PMA bem-sucedidos mostraram-se aptos a utilizar políticas económicas para promover o desenvolvimento da capacidade produtiva e desfrutaram de estabilidade política, além de terem utilizado a ajuda externa de forma eficaz. Em vários casos, simplesmente tiveram a sorte de poder beneficiar das tendências económicas globais.
Por exemplo, Vanuatu, que irá abandonar o estatuto de PMA em 2020, tirou partido de um boom do turismo, sustentado pela estabilidade do país. A ajuda internacional ao desenvolvimento também ajudou: a Austrália, a União Europeia, a Nova Zelândia, os Estados Unidos e outros países contribuíram. Tal permitiu ao país angariar um investimento fortemente necessário e fazer crescer o turismo. Países que abandonaram recentemente o estatuto de PMA, como Cabo Verde e Samoa, também beneficiaram da estabilidade do país, do turismo e da utilização da ajuda internacional ao desenvolvimento.
Mencionou Vanuatu, Cabo Verde e Samoa, que são alguns dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Quais são as principais medidas que devem tomar para lidar com a vulnerabilidade económica?
Muitos Pequenos Estados Insulares são inerentemente vulneráveis a nível económico porque a economia é dominada por um pequeno conjunto de indústrias ou setores. Alguns destes países implementam políticas para promover a agricultura e a produção sustentável em pequenas áreas de nicho. A diversificação económica contribui para assegurar a estabilidade a longo prazo.
A vulnerabilidade ambiental é outra preocupação. Os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento são também altamente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas, como a subida do nível do mar e fenómenos meteorológicos extremos como os ciclones no Pacífico. As políticas de adaptação às alterações climáticas podem ajudar, pelo menos em parte, a abordar este tipo de vulnerabilidade.
O UNDESA tem estado a fazer o balanço das medidas de apoio internacionais que estão à disposição dos PMA. Pode partilhar algumas medidas de apoio internacionais que continuarão disponíveis após o abandono do estatuto de PMA? De que forma a comunidade global pode apoiar estes países?
O Secretariado do Comité de Política de Desenvolvimento criou um site (www.un.org/ldcportal) que cataloga as diversas medidas de apoio internacional, que abrangem medidas nas áreas do comércio, ajuda pública ao desenvolvimento e outras, como o financiamento das questões climáticas, contribuições orçamentais reduzidas para as Nações Unidas e assistência em matéria de viagens.
Alguns doadores e parceiros alargam as medidas de apoio ao longo de um certo período após o abandono do estatuto. Por exemplo, a União Europeia alarga as preferências comerciais até três anos após o abandono do estatuto. Assim, os países continuam a beneficiar das preferências após abandonarem o estatuto. De igual modo, existem outras medidas que promovem uma transição harmoniosa visando uma saída faseada deste tipo de apoio.
O Quadro Integrado Reforçado (QIR) tem estado a alargar o apoio até cinco anos após o abandono do estatuto de PMA.
Outros doadores e parceiros poderão querer acompanhar o QIR na continuação do apoio a estes países no que respeita ao reforço de capacidades produtivas no terreno com vista a alcançar a transformação estrutural no longo prazo.
Um fator que está em falta é qualquer incentivo positivo ligado ao abandono do estatuto de PMA que não os benefícios reputacionais. Os países simplesmente enfrentam uma perda de apoio mais lenta, em lugar de quaisquer novos benefícios especiais quando acabam de abandonar o estatuto de PMA.
Os países que abandonam o estatuto de PMA correm o risco de cair na armadilha do rendimento médio, por meio da qual deixam de ser competitivos com base no baixo custo e mão de obra barata, mas sem terem desenvolvido ainda a sofisticação tecnológica ou terem acrescentado valor a um nível suficiente para dar o salto para o estatuto de rendimento médio alto. Desta forma, ficam bloqueados numa terra de ninguém onde necessitam verdadeiramente de novas fontes de apoio ou de políticas económicas revitalizadas para promover o desenvolvimento.
Este é um aspeto que o UNDESA está a ter em conta. Uma medida recente consiste em ajudar os países que abandonam o estatuto de PMA, em linha com a iniciativa Faixa e Rota (“Belt and Road”) da China, a conceptualizar e lançar novas medidas de apoio que visam dar resposta a desafios específicos numa base país a país após o abandono do estatuto de PMA. A comunidade internacional também parece estar a começar a prestar atenção a estas questões, tendo em conta que cada vez mais PMA irão abandonar este estatuto no futuro próximo.
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Para mais informações, pode ouvir o debate do Fórum Global sobre o Comércio Inclusivo para os PMA do QIR com Daniel Gay sobre “estabelecer as ligações entre o comércio inclusivo, o crescimento económico e o abandono do estatuto de PMA”' aqui.
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Daniel Gay é consultor inter-regional sobre Países Menos Avançados (PMA) no Secretariado do Comité de Política de Desenvolvimento do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA). Daniel Gay tem-se concentrado particularmente nas questões e desafios que envolvem o comércio e o abandono do estatuto de PMA. O seu trabalho concentra-se na forma de assegurar que os PMA beneficiem o máximo possível das medidas de apoio internacionais dirigidas a estes países e nas medidas que poderão ajudar os países na fase seguinte ao abandono do estatuto de PMA.
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