18 Fevereiro 2020

Os países menos avançados podem converter-se nos autores da sua revolução tecnológica

Originalmente publicado pela OCDE – Desenvolvimento no dia 5 de fevereiro de 2020

Os países menos avançados encontram-se em território desconhecido no que respeita à emergência rápida de novas tecnologias. Saiba mais sobre os riscos e oportunidades e de que forma os países podem beneficiar e forjar os seus próprios caminhos.

A quarta revolução industrial está a traçar uma trajetória nova e incerta para a economia mundial. Os países menos avançados devem preparar-se para os riscos e oportunidades que daí advêm. Carateriza-se pela confluência de novas tecnologias, que combinam os universos digital, físico e biológico.

Prevê-se que as alterações tecnológicas rápidas exerçam um impacto profundo no desenvolvimento económico e social dos países de todos os níveis de rendimento. Entre as oportunidades, conta-se a de tirar partido das possibilidades de digitalização para o desenvolvimento sustentável e a capacitação social. Os riscos envolvem a marginalização e uma lacuna crescente entre os países pobres e os seus parceiros emergentes e industrializados.

Será que os países que se encontram nas fases iniciais de desenvolvimento conseguem colher os benefícios e converterem-se nos autores da sua revolução tecnológica?

Adaptação a novas tendências de comércio e de desenvolvimento

As tecnologias digitais estão a afetar os padrões do comércio e as condições da transformação estrutural. Oferecem uma rede multiplicadora de dispositivos ligados para gerar volumes de dados crescentes, alimentando inovações como a inteligência artificial e a robótica. O comércio digital e o fluxo transfronteiriço de dados, ambos um meio de produção e um ativo comercializado, estão a crescer exponencialmente.

As determinantes da competitividade no fabrico e nos serviços estão a evoluir, levantando questões quanto à forma como os caminhos tradicionais de criação de empregos e de redução da pobreza irão aplicar-se no futuro próximo. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias podem contribuir para remover obstáculos à industrialização nos países mais pobres e dar origem a novas formas de organizar a produção.

Surgirão oportunidades para executar tarefas nos serviços que se tornam transacionáveis. Na agricultura, que representa dois terços do emprego nos países menos desenvolvidos, as tecnologias digitais podem contribuir para impulsionar a produtividade e melhorar os meios de subsistência rurais.

Há casos de países menos avançados que estão a participar na quarta revolução industrial. As inovações nos setores da banca, da educação e da saúde estão a transformar as comunidades. Quanto às exportações de serviços dos países menos avançados, estas cresceram 16% em 2018, com países como o Bangladeche a tirar partido do crescente mercado global do outsourcing digital.

Superar a clivagem digital: oportunidades em infraestruturas, educação e governação

Existem três áreas principais para os países menos avançados tirarem partido das oportunidades da quarta revolução industrial.

Em primeiro lugar, há que prestar a devida atenção à clivagem digital e assegurar a existência de infraestruturas de conectividade. Tal inclui a penetração da banda larga e um acesso fiável à eletricidade. As infraestruturas institucionais como os protocolos de pagamento digital são também importantes. Os países menos avançados investiram em soluções adaptadas às circunstâncias locais. Sistemas de energia solar não ligados à rede em África oferecem eletricidade a milhões de lares. Setenta por cento da população dos países menos avançados têm acesso a um sinal de banda larga móvel, embora o custo do serviço seja frequentemente demasiado alto, com uma utilização da Internet de 20%. Verifica-se também uma crescente lacuna digital de género que necessita de ser abordada (ver Figura).

Uma base de tributação nacional ampliada e a Ajuda ao Comércio podem fornecer fundos catalisadores para projetos orientados para o reforço das infraestruturas de conectividade. No entanto, os recursos públicos não serão suficientes num ambiente em que os fluxos de investimento privado para os países menos avançados diminuiu. Instrumentos financeiros combinados podem ajudar a mitigar o risco dos investimentos e a mobilizar fundos. Contudo, é necessário ter uma melhor compreensão das dificuldades relacionadas com os instrumentos combinados para que os países mais pobres possam aceder de forma benéfica a estes mecanismos.

 

Internet penetration rate for men and women, 2019

Internet penetration rate for men and women, 2019

Source: ITU

 

Em segundo lugar, a quarta revolução industrial intensifica o desafio que os países menos desenvolvidos enfrentam no que respeita a dotar as suas populações jovens das competências necessárias para participarem na força de trabalho global. Modernizar os sistemas de educação e impulsionar a empregabilidade constituem prioridades. Os dados sobre jovens e adultos com competências de TIC demonstram vastas desigualdades entre países em diferentes níveis de desenvolvimento, o que também acontece em termos de competências digitais básicas essenciais para a participação na economia da informação.

Contudo, existem possibilidades extraordinárias de dar resposta a mercados carenciados e aceder a conhecimentos para tirar partido das oportunidades. Entre os exemplos, encontram-se os cursos de inteligência artificial que oferecem bolsas de estudo no Nepal. No Malawi, estão a ser implementados projetores alimentados a energia solar para ensinar os fundamentos da alfabetização e da matemática.

A terceira área respeita à governação. Trata-se do clima empresarial e das políticas concebidas para reforçar os sistemas digitais e a adoção de tecnologias: regras sobre o comércio e o investimento, política de concorrência, política fiscal, regulamentações sobre o consumidor e a proteção de dados, etc. Os países menos avançados têm de formular melhor as suas políticas para as estratégias digitais nacionais. Os estudos de diagnóstico que ajudam a identificar os pilares necessários podem constituir parte deste esforço O Bangladeche é um exemplo de êxito comparativo com a implementação de uma estrutura que permitiu que o país se tornasse num exportador de dimensão considerável de produtos e serviços de TIC.

Políticas nacionais claramente articuladas também ajudarão os países menos avançados a envolverem-se nas iniciativas internacionais de elaboração de regras. Uma das áreas a destacar é a da política de concorrência, já que os países mais pobres não têm a capacidade que têm as grandes economias de implementar regulações antimonopólio que visam garantir um ecossistema digital seguro para os utilizadores. As recentes propostas da OCDE relativas a direitos de tributação mais justos oferecem outra via para a coordenação política multilateral.

Tirar proveito das oportunidades de inovação por meio de parcerias

As oportunidades de inovação merecem uma atenção especial na quarta revolução industrial. O rácio entre a despesa em I&D e o PIB nos países menos avançados é, segundo se estima, de 0,2%, em comparação com 2,4% nos países da OCDE. Este baixo nível de investimento constitui um obstáculo à capacidade a longo prazo de os países mais pobres aplicarem tecnologias emergentes e exige um maior apoio. Um melhor acesso às tecnologias protegidas por propriedade intelectual, através de importação e licenciamento, por exemplo, irá facilitar este processo.

A inovação não acontece de forma isolada. As parcerias Norte-Sul e Sul-Sul orientadas para a colaboração entre organismos científicos, parceiros de desenvolvimento e o setor privado podem fornecer mecanismos para fomentar a investigação e a disseminação das tecnologias. A título de exemplo, o Quadro Integrado Reforçado está a apoiar um projeto que visa identificar inovações agrotecnológicas que têm lugar no Quénia e determinar de que forma estas tecnologias podem ser transferidas para os países menos avançados da região, como o Burundi, o Ruanda, a Tanzânia e o Uganda.

Como conclusão, a quarta revolução industrial dá azo tanto à hipérbole como ao ceticismo no que toca aos benefícios de desenvolvimento que pode proporcionar às populações menos privilegiadas. No entanto, caso os países menos avançados não se preparem para estas evoluções, será pouco provável que recolham os benefícios. Além disso, permaneceriam expostos a vulnerabilidades como a exclusão enraizada e as desigualdades.

Os debates entre as várias partes interessadas a nível nacional e global sobre as implicações das mudanças tecnológicas rápidas para o comércio e o desenvolvimento sustentável nos países menos avançados devem ser encorajados. Quais são os quadros políticos necessários para alinhar melhor a digitalização e o desenvolvimento nos países menos avançados? De que forma a Ajuda ao Comércio pode acompanhar estes países tendo em conta os critérios em evolução da competitividade global? Será que a comunidade internacional pode trabalhar no sentido de desenvolver regras sobre a concorrência, o comércio digital, a propriedade intelectual e a tributação que contribuam para proporcionar os benefícios partilhados decorrentes da digitalização da economia?

Refletir sobre estas questões irá ajudar os países menos avançados a identificarem e apropriarem-se de trajetórias para o desenvolvimento e prosperidade na quarta revolução industrial.

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